domingo, 24 de agosto de 2008

Um Larry triste

Por Matheus Kern

Canhotinho lança para a esquerda, Bodinho domina no peito e já olha para o companheiro desmarcado na grande área, dando um passe magistral por cobertura. Larry, o “centroavante Gre-Nal”, domina macio à bola no peito fazendo-a deslizar pelo gramado, olha para o goleiro, o goleiro olha para ele. O gol é mais que certo. O estádio pára. A cidade pára. Apenas o som da respiração ofegante do centroavante colorado.

Das arquibancadas do novíssimo estádio Olímpico Monumental, recém inaugurado e ainda com aquele cheirinho de tinta recém espalhada pelas paredes, eu vibrava contido à beira do gramado com mais um gol - gol não, golaço - de Larry Pinto de Faria, o homem que marcava seu quarto gol e em cima do arqui-rival. Mas aquela não era uma ocasião qualquer. Neste dia, o Grêmio Football Porto-Alegrense inaugurava sua nova sede, sua nova casa, seu novo estádio. Placar final: Grêmio 2 x 6 Internacional. Inesquecível e inacreditável. E eu estava ali, presente em mais uma data que se tornaria histórica nos alfarrábios desta rivalidade. Sentia-me um privilegiado, sem sombra de dúvida.

Carioca, nascido em Nova Friburgo, dia 3 de novembro de 1932, Larry foi contratado para jogar no Internacional em maio de 1954, depois de ter integrado o time juvenil do Fluminense e disputado os Jogos Olímpicos de 1952, em Helsinque, com a camisa do Brasil. Nome lendário na história do clube, Larry foi titular absoluto, de 1954 a 1962, de um ataque extraordinário, que inclui a grande parceria formada com o nordestino Bodinho. Privilegiado que era, trabalhando na função de repórter para um jornal local, pude conversar com o herói daquela tarde cinzenta de Porto Alegre. E Larry não estava feliz. Aquilo me incomodava a ponto de quase esmurrá-lo na cara. Porque diabos ele não esboçava um sorriso sequer?

Em uma espécie de interrogatório (não de entrevista), comecei a questioná-lo do por que não estava feliz com a grande vitória de seu time em pleno estádio rival. Com lágrimas nos olhos, foi então que o maior centroavante da história do Internacional começou a me revelar o sonho que tivera na noite anterior. “Mergulhado em meus devaneios esta noite, sonhei que o Internacional alcançava glórias jamais imaginadas por seus torcedores. Estava em terras distantes, e enfrentava um time de poderio gigantesco, espanhol se não me engano. O colorado venceu por 1 a 0 em uma tabela de dois “estrangeiros”, como eu e Bodinho, um era cearense e outro alagoano. O Inter era campeão do mundo”, revelou o centroavante, triste. Surpreso, perguntei o porquê da apatia, se o sonho havia sido maravilhoso! Larry então completou:

- Estou triste porque, no mesmo sonho, vi que aqueles dois que planejaram toda jogada que resultou no gol do título, foram depois destratados pelo clube e dispensados como dois desconhecidos.

Foi então que entendi o sofrimento do homem que recém havia deixado nas redes do estádio Olímpico sua marca. Larry havia previsto o futuro. Havia percebido que mesmo anos luz a sua frente, o Internacional ainda não teria aprendido a valorizar seus ídolos. Iarley e Adriano Gabiru, heróis no Japão, são a prova viva disso. Era por isso que o centroavante pesava seu queixo entre as palmas das duas mãos, num muxoxo. Jamais imaginaria que o veria daquele jeito. Um Larry triste.

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