domingo, 24 de agosto de 2008

Promessa é dívida 2

Abaixo, como havia prometido, as crônicas dos alunos da turma de redação jornalística 3 - 2008/1. São as crônicas a mim enviadas por MAIL. Não estão incluídos os trabalhos que me foram entregues IMPRESSOS (todos já foram devolvidos aos seus respectivos autores).

Grande prazer dar aula a vocês. Vou deixar o blog no ar como DOCUMENTO da nossa experiência e do nosso aprendizado conjunto (isto inclui o pessoal do semestre anterior). Bjs.

Testemunha principal

Por Gilmar Splitt

Aprovaram o fim das carroças em Porto Alegre. A Câmara de Vereadores fez sua escolha democrática – afinal, dizem que o Legislativo representa todas as camadas da sociedade – e mandou a bomba para a sanção do Prefeito José Fogaça. O Prefeito deve transformar o projeto em lei nos próximos dias e – shazam! – as ruas da cidade serão somente dos carros, motos e tudo mais que tenha o corpo de lata, patas de borracha e se alimente de combustível flex power.

O argumento principal da proposta é que os carroceiros atrapalham o trânsito e, portanto, devem ficar em galpões reciclando lixo, e não dirigindo veículos de tração animal por aí impunemente. Os cavalos, segundo alguns defensores da modernidade, não foram feitos para passear pelas ruas puxando uma caixa de madeira entupida de sacos de lixo e fazendo cocô no asfalto. Lugar de cavalo, como se sabe, é dentro da televisão, pastando em paisagens bucólicas ou sendo guiados por mocinhos atrás de bandidos.

A pergunta é: o que fazer com os quatro mil pilotos das carroças que circulam pela cidade? São quatro mil famílias que transformam em alguns trocados o lixo que a população despeja na frente de suas casas. A Prefeitura, de sua parte, confessa não ter estrutura para recolher todo esse entulho.

Mesmo que o projeto preveja programas sociais para beneficiar essas pessoas ao longo de oito anos – prazo final para os carroceiros aposentarem seus cavalos –, ainda assim, há desconfiança de que nada seja feito na prática para torná-las menos marginalizadas do que já são. Quem nunca desconfiou dos políticos e suas boas intenções que atire a primeira espiga de milho.

Também não estou aqui para defender intransigentemente um lado ou outro. Uns dizem que os cavalos sofrem maus tratos; outros, que eles são o ganha-pão de gente que não teria outra fonte de renda. Argumentos fortes de lá e de cá. O grande xis da questão é justamente esse: como descobrir uma solução que contemple todos os lados: carroceiros, motoristas, população e cavalos.

O Plenário da Câmara estava lotado na última segunda-feira. Havia, numa ala, representantes das entidades de proteção aos animais; na outra, os carroceiros, e no meio, a guarda municipal para apaziguar os ânimos. Bastante acirrados, diga-se de passagem.

Na minha opinião, vendo a questão de fora, esqueceram de perguntar a opinião da testemunha principal, o personagem que, no fundo, será o grande penalizado por qualquer decisão que se tome: sua excelência, o cavalo.

Taí o ponto: faltou mobilização da classe eqüina. Não é pouca coisa o poder de fogo de quatro mil cavalos prestes a virarem lingüiça por um canetaço do senhor Prefeito.

Imaginem os cavalos subindo a rampa da Câmara, relinchando palavras de ordem: cavalo unido jamais será vencido! É bem possível que muitos outros cavalos de duas patas entendessem perfeitamente a mensagem.

A Fuga das Sardinhas

Por Tassia Kastner e Maria Lina Colnaghi

Sardinha é uma fonte de ômega 3, 6. Dizem que faz bem a saúde. Cada vez que lembro disso no mercado, tasco duas no carrinho. Não que seja meu prato preferido. É apenas prático. Ontem fiz uma salada de rúcula com noz pecã e... sardinha. Mas confesso que quase perdi o apetite. Lavei a rúcula com muita atenção, separei em um prato. Peguei meu quebra-nozes e separei as melhores sementes das frutas que tinha. Hora de adicionar a sardinha: lavei a lata com bastante detergente, peguei uma faca para abrir a lata, mesmo sob o olhar nervoso de meu irmão, e logo tinha ao meu alcance dois lindos peixinhos.

Quando vi aqueles animaizinhos tão apertados dentro daquela minúscula lata, lembrei que eu tinha acabado de chegar em casa depois de um longo dia de trabalho. Não percorro longas distâncias com o transporte coletivo, é verdade. O que geralmente me traz grandes problemas e um pouco de tumulto. Todas as linhas que utilizo têm o problema da lotação. E aí, embarco, mal consigo passar pela roleta, e já preciso descer. Mas, quem disse que consigo chegar à porta?

O problema começa no embarque. Geralmente ouço o cobrador gritar: – Um passinho atrás faz favor, ainda têm espaço no fundo. Nunca têm. Mas mesmo assim as sardinhas, digo, os passageiros obedecem, muito contra a vontade e com murmúrios do tipo “que absurdo” ou “acabou o fundo”, à ordem do recolhedor de fichinhas. E assim, a cada parada, a cada barulho de descarga, de pastilhas de freio gastas o pânico toma conta de mim: – Preciso descer! Preciso descer!. E o pior é que não tem pra onde fugir.

Quando embarco no D43 lotado penso: – Bah! Por que não peguei o Campus/Ipiranga? Por quê? Porque a situação é tão desesperadora quanto. Tudo bem, podia pegar o T8! Nãããão, T8 não! Afinal eu não quero chegar no Campus do Vale como um patê. Ninguém gosta de sardinha esmagada! Ipiranga/PUC, T1, T4, T5, T6, T7, T9? Tudo igual.

Pensando bem, não preciso de ômega 3, nem 6. Estudante/trabalhador tem saúde de ferro. De vez em quando até espirra, tosse, mas compartilhar vírus cria anticorpos. Aumenta a imunidade. É, isso faz bem. Tá, vou deixar para pensar nas sardinhas quando não precisar mais da Carris nem obedecer os gritos do recolhedor de fichinhas. Bem, vou dar de comer ao meu gato e, depois, comer minha salada.

Vermelho no branco

Por Emanuela Pegoraro

O que eu faço para abortar? Digita a vergonhosa pergunta na Internet e verás a quantidade de moças impuras querendo saber a resposta. As infantes pedem desesparadamente, com u jeitu lindu di adolexenti iscreve, por chás milagrosos, número correto de pílulas anticoncepcionas que devem tomar para abortar (trex ou quatru?), ou a técnica da bucha secreta dos confins da Amazônia.

O que é mais vergonhoso? Engravidar numa época em que as diversas técnicas anticoncepcionais desfilam pelas bocas de nossos médicos, mães e apresentadores de TV? Ou varar semanas em claro, em busca de um método primitivo, baseado na foice e enxada, que conta também com cordas, animais peçonhentos e outras ofenças atrozes ao nome da técnica e da ciência, simplesmente porque no Brasil o aborto limpo, seguro e simples não é permitido?

Na opinião de Sara , ambos os casos são vergonhosos. Tanto que a garota tomou pílula à espera da visita do namorado. Ela não seria burra de dar tanta chance ao azar, dar para o namorado sem contar com nenhum método anticoncepcional. Mas garotas são garotas e, mesmo na flor de seus 23 anos de experiência, o maravilhoso sexo sem camisinha por semanas a fio deixa sempre a tão conhecida pulguinha atrás na orelha. É culpa da mãe, que lhe ensinuou ao longo da infância que sexo é feio e pecado. "Eu transei demais, demais, eu mereço estar grávida", pensava a pobre Sara.

E como adolescente de internet, Sara passou dias planejando uma viagem à Suíça, ou à Conchinchina, onde pudesse tomar um comprimidinho corriqueiro e sossegado, e acabar com a criatura, se ela deveras fosse. Até que Sara acordou numa bela manhã de sol, e lá estava, tudo resolvido, vermelho no branco. Confie na pílula, querida Sara.

Naquela manhã rubra e alegre, Sara caminhou radiante ao trabalho. A primeira tarefa foi a mensagem, que enviou para o outro lado do continente: "Você não vai ser papai tão cedo". Duas horas depois, a resposta na caixa de entrada: "Eu te amo. E sua menstruação também."

Dia dos casais chatos

Por Juliana Wecki

Semana passada foi o dia dos namorados. O que mais se via na rua eram casaizinhos apaixonados caminhando de mãos dadas, e meninas levando seus recém recebidos buquês de flores. Parece que as pessoas tomam banho de mel no dia 12 de junho e vão ver seus amados. “Nhonhozinho” para cá, “donzdonzinho” para lá... É uma melação!

Agora, sejamos sinceros, alguém aguenta isso? Me chamem de coração gelado, ou qualquer coisa parecida, mas não consigo gostar de ver demonstrações de carinho por aí. Quer ficar abraçado na namorada, eu respeito. Mas poupe meus ouvidos de ouvir apelidos mela-cueca, ou meus olhos de ficar assistindo a “beijos-desentupidor”.

Será que é tão difícil de perceber que isso é muito chato? Quem nunca passou pela situação de estar na fila do cinema e ter dois pombinhos por perto, se chamando por apelidinhos e sem conseguir se desgrudar. Ou então, estar entre um grupo de amigos e ter aquele casal que parece estar em um universo paralelo: ela olha para ele, ele não tira os olhos dela e eles ficam assim, em estado de contemplação. Ora se beijam, estão sempre grudados, e o principal: não compartilham da conversa do grupo.

Há um tempo atrás, li um texto em que a autora pedia que adultos também dessem beijos apaixonados na rua, prática tão comum entre adolescentes. Meu apelo é exatamente o contrário: deixem a intimidade para a intimidade.Ninguém precisa saber da vida amorosa de ninguém. Ninguém precisa ver a intimidade de ninguém.

Isso não não é um apelo para que os casais de namorados passem a ser frios um com o outro. Demonstrem o carinho com palavras, com gentileza. Amem seus namorados. Tratem da melhor maneira possível. Mas respeitem os outros. Ninguém precisa ficar provando seu amor para toda a torcida do Flamengo. Deixem as “atitudes práticas” para as quatro paredes.

Quem tem medo de escuro?

Por Paulo Azevedo Jr.

Bicho-papão, lobisomem, altura e granada. Fuzil, avião, escuro e seqüestro. As coisas como eram, e as coisas como são. Os velhos, os jovens e as crianças. Não leitor, não enlouqueci. Espero que em breve tudo isso faça sentido.

Estava almoçando em uma lanchonete na zona sul do Rio, quando comecei a ouvir a conversa de uma turma de senhores que estava na mesa ao lado. Com aquele típico sotaque carioca, cheio de "esses" que parecem xis, e "erres" carregados, eles falavam sobre os medos de antigamente e os de agora.

Aos poucos aquele papo despretensioso começou a chamar minha atenção e quando vi já estava quase me metendo na conversa deles. Meus amigos falavam sobre alguma coisa que tinha ocorrido na noite anterior, mas no momento o que me interessava era a conversa dos velhos. Medo era o assunto deles.

  • Quando eu era criança, a gente tinha medo de altura, de escuro, de bicho-papão. Hoje em dia, a meninada tem medo de granada, de fuzil, de metralhadora. Nesses quarenta anos a vida mudou muito, e pra pior, eu acho.

  • É verdade, outro dia meu netinho contou que o colega dele não queria ir para a aula porque o primo tinha sido seqüestrado e ele estava com medo de também ser.

Fiquei pensando sobre aquilo. Não que eu seja uma pessoa medrosa, mas também estou longe de ser um valentão. Claro que na infância eu tinha meus medos, alguns frutos da minha imaginação, outros da realidade que me cercava. Em algumas peças da casa, eu simplesmente não ia durante a noite. O motivo não sei, mas só Deus sabe o quanto a despensa e a lavanderia, que ficavam tão longe do meu quarto, me assustavam. Era como se fosse um universo paralelo, um mundo de trevas e perigos iminentes. Estrada também era uma coisa que me deixava tenso, mas isso tinha lá seus motivos. Em outra crônica explico isso melhor.

Hoje em dia essas fobias passaram. No lugar delas vieram outras, mas com as quais eu tenho de lidar, pois, de outro modo, não sairia mais de casa. Aos poucos, coisas como assaltos, atropelamentos e seqüestros passam a ser tão rotineiras que deixam de nos chocar. Não que isso seja bom, mas é a realidade, e como meu espírito não é panfletário, e nem tampouco revolucionário, acabo me conformando com o mundo que me cerca.

Mas voltando ao papo dos velhos, achei o ponto deles interessante. Antigamente, os medos dos pequenos e dos adultos eram diferentes. Enquanto os primeiros eram fruto da imaginação infantil e do folclore popular, os segundos vinham da vida cotidiana. Atualmente, os temores não têm mais idade. Parece que no mundo moderno criança e adulto estão à mercê dos mesmos medos. Daqui a pouco, o pai vai pedir para dormir com o filho à noite.

Sobre o inverno

Por Caroline Borges


Eu já cansei de reclamar do inverno. Não adianta, ele não muda. Todo ano vem para deixar a minha vida mais difícil e, ultimamente, tem vindo com mais força. De uns tempos pra cá, chega a invadir a primavera permanecendo até o setembro. Eu não gosto de frio e sofro muito durante o inverno. Levantar da cama vira uma batalha das mais complicadas e, normalmente, a cama vence. Até o banho que é uma atividade prazerosa, nessa estação se transforma em uma tarefa que exige força e coragem. As plantas sofrem, os animais sofrem, as crianças sofrem, os idosos sofrem, definitivamente a vida é mais feliz no verão. Vocês já se deram conta do sacrifício que é andar pelas ruas da cidade nas manhãs de frio com aquele vento que parece cortar a espinha? Nossa, poucas coisas são piores.

Eu até admito que algumas coisas ficam mais atraentes durante o inverno. Passar o fim de semana inteiro embaixo do edredom, vendo televisão, com uma panela de negrinho, por exemplo. Fazer um passeio até a Serra Gaúcha e sonhar que está na Europa também. Ler numa noite chuvosa ou ainda dormir a tarde inteira de domingo perto da lareira. E as coisas param por aí. Muito pouco comparado aos passeios, à piscina, ao bronzeado, às festas, à alegria, à beleza das paisagens, típica do verão.

Sobrefutebol e política no Brasil

Por Cristiano Muniz & Régis Machado

Ontem, após o empate com a Argentina, em Belo Horizonte, Dunga afirmou não estar preocupado em perder o emprego, pois já teria "a vida resolvida". A torcida, porém, queria a sua cabeça. "Adeus, Dunga", gritavam os espectadores, descontentes com o rendimento da Seleção. O que é perfeitamente compreensível num país em que técnicos são demitidos com uma facilidade espantosa. São raros os treinadores de clubes brasileiros que permanecem longos períodos em seu cargo.

Se assim fosse também na política, as coisas certamente seriam diferentes. Se os eleitores gaúchos fizessem como os torcedores, que clamam pela demissão de técnicos incompetentes, haveria maior mobilização popular pelo impeachment da governadora Yeda, por exemplo. Mas, em política, as regras são diferentes: é muito mais difícil para o cidadão comum expressar seu descontentamento com o poder público. É necessário reunir grandes contingentes de pessoas, realizar manifestações, protestos, atos públicos; apenas grupos organizados como sindicatos e diretórios estudantis têm essa capacidade – um tanto restrita, é verdade – de mobilização.

Por outro lado, no estádio, o torcedor se sente livre para expressar da maneira que quiser sua desaprovação com o comandante da equipe; cobra providências, sugere substituições, critica o técnico: é assim que a torcida age quando o desempenho do time não é o esperado. Na área política, o máximo que se vê são atos isolados, com pequena participação popular. Não existe a consciência, por parte das pessoas, de que devem fiscalizar e cobrar também seus representantes eleitos. Trata-se, portanto, de algo muito mais sério que futebol: afinal, a decisões tomadas no campo político exercem uma influência muito maior na vida das pessoas do que a revolta com o mau resultado no jogo da Seleção.

Quero escrever para a Playboy

Por Mônia Canalli

Eventos sociais geralmente são um lixo. Onde há 'high society' há a imprensa. E imprensa da pior qualidade, eu diria. Estive no lançamento do documentário da vida de Dona Eva Sopher e sua dedicação ao Thetro São Pedro. À trabalho, obviamente. Nunca imaginei que uma simples incursão por este mundo me faria questionar tantas coisas e, por consequëncia nausear-me pelo resto da noite. Entre as falsas risadinhas das madames empetecadas e os discursinhos políticos dos futuros candidatos, estava lá um jornalista. Ai, que dor de estômago, um jornalista. Câmera ligada, bloquinho na mão. E uma idéia na cabeça? Definitivamente não. O colunismo social é nojento, serve apenas para enaltecer o que uns fingem ter: prestígio.

Tentava adivinhar quantos aluguéis ou contas de luz eu poderia pagar com cada par de brinco do salão. Mas a atividade jornalística não pode parar, e sem estas pessoas este mundo não sobrevive. Os que não estavam trabalhando estavam perambulando de roda em roda tentando ganhar visibilidade, distribuir 'olás' bajuladores. Senti medo, muito medo de ter que me submeter a isso tudo. Mas quando me meto nestas situações sempre tenho um respiro de alívio. E o respiro, neste caso, foi a Dona Eva. Sempre simpática, a velhinha que ontem completava 85 anos era o exemplo da resistência e da simplicidade em forma de mulher. Um referencial de cultura no Brasil, homenageada por toda aquela gente. Uma judia refugiada de guerra, que através de sua batalha pessoal, inseriu Porto Alegre no circuto da arte mundial.

Esta minha incursão pelo mundo mágico dos bajulados e bajuladores me fez lembrar uma vontade surgida há um tempo atrás.Ridícula, que veio do nada, mas que cada vez toma mais força. Surgiu depois de ler a célebre frase 'Quanta abundância' atrelada à foto da mulher-melancia, capa da Playboy deste mês. Dei risada, e pensei como seria divertido escrever para a revista. Num país que ovaciona o sexo, não seria má idéia. Ao menos, não seria tão hipócrita.

É o que é, está ali e pronto.

Imigrar é crime e dá cadeia, diz Estrasburgo

Por Pedro Argenti

Imigração não é nenhuma novidade. Nada que tenha aparecido na semana passada, ameaçadoramente, e tenha gerado o pavor dos legisladores de Estrasburgo que aprovaram a deportação a cabresto até das criancinhas ilegais. A imigração é coisa antiga. Imagine você que os primeiros japoneses atracaram no Brasil já faz cem anos. Os portugueses, quinhentos e oito. E antes de todos eles, o que faziam mesmo os hebreus no Egito ou os jônios em Tróia? Note que a Itália de hoje era antes helênica, era Magna Grécia. Note que, dizem alguns cientistas, os homens das Américas chegaram da Rússia pelo Estreito de Bering. Perceba a quantidade de ciganos que existem pelo mundo. Não, definitivamente não foi na semana passada que tudo isso começou.

Meu bisavô podia dizer o que quisesse sobre suas motivações para deixar Verona a caminho do Rio Grande do Sul. “A vida era muito difícil, buscávamos sobrevivência, melhores condições”. Até certa idade eu acreditava, todavia hoje sei que nada resumiu-se a isso. Imigrar é coisa do homem e sua natureza. Vem do desejo, da ânsia de liberdade. A promessa de Canaã não vem de Deus ou do dólar, ela vem do coração. A imigração é tão antiga quanto a expectativa de um lugar redento onde seja possível uma vida plena. Tem a ver com aquilo que queremos do mundo.

Tão somente a pobreza material não leva ninguém a tomar os rumos que os lusos migrantes chamavam de além-mar. É a miséria do espírito, somada com a ânsia do homem pela satisfação, que movia as caravelas e enchia, como bem disse Pessoa, os mares de sal. Até hoje é assim. É nossa desgraça que nos leva embora. Os psicólogos diriam que não há nada de errado, diriam até, quem sabe, que permanecer na pátria revelaria qualquer traço de um complexo de Édipo. Deixar a terra é revoltar-se com o berço, é tentar mudar aquilo a que o destino impávido nos submeteu. Imigrar é renovar, por meio de catarse, é crescer. E isso agora é mau.

O homem nômade foi feito criminoso. Os titãs burocráticos fizeram erguerem-se fronteiras que não estão lá. O desejo tornou-se contravenção e nações inteiras tornaram-se prisões de seus filhos. Estrasburgo surpreende. O continente de onde partiram tantos, fossem fugidos de Napoleão ou Franco, Mussolini ou Hitler, da miséria ou do frio, da tristeza ou do marasmo, hoje se faz hermético. Isola-se logo agora, na era global das relações. Desilude ver que a mesma terra dos direitos universais hoje está a bani-los. Quando, diabos, iremos parar de fazer leis que proíbem dos homens sua própria humanidade?

Um Larry triste

Por Matheus Kern

Canhotinho lança para a esquerda, Bodinho domina no peito e já olha para o companheiro desmarcado na grande área, dando um passe magistral por cobertura. Larry, o “centroavante Gre-Nal”, domina macio à bola no peito fazendo-a deslizar pelo gramado, olha para o goleiro, o goleiro olha para ele. O gol é mais que certo. O estádio pára. A cidade pára. Apenas o som da respiração ofegante do centroavante colorado.

Das arquibancadas do novíssimo estádio Olímpico Monumental, recém inaugurado e ainda com aquele cheirinho de tinta recém espalhada pelas paredes, eu vibrava contido à beira do gramado com mais um gol - gol não, golaço - de Larry Pinto de Faria, o homem que marcava seu quarto gol e em cima do arqui-rival. Mas aquela não era uma ocasião qualquer. Neste dia, o Grêmio Football Porto-Alegrense inaugurava sua nova sede, sua nova casa, seu novo estádio. Placar final: Grêmio 2 x 6 Internacional. Inesquecível e inacreditável. E eu estava ali, presente em mais uma data que se tornaria histórica nos alfarrábios desta rivalidade. Sentia-me um privilegiado, sem sombra de dúvida.

Carioca, nascido em Nova Friburgo, dia 3 de novembro de 1932, Larry foi contratado para jogar no Internacional em maio de 1954, depois de ter integrado o time juvenil do Fluminense e disputado os Jogos Olímpicos de 1952, em Helsinque, com a camisa do Brasil. Nome lendário na história do clube, Larry foi titular absoluto, de 1954 a 1962, de um ataque extraordinário, que inclui a grande parceria formada com o nordestino Bodinho. Privilegiado que era, trabalhando na função de repórter para um jornal local, pude conversar com o herói daquela tarde cinzenta de Porto Alegre. E Larry não estava feliz. Aquilo me incomodava a ponto de quase esmurrá-lo na cara. Porque diabos ele não esboçava um sorriso sequer?

Em uma espécie de interrogatório (não de entrevista), comecei a questioná-lo do por que não estava feliz com a grande vitória de seu time em pleno estádio rival. Com lágrimas nos olhos, foi então que o maior centroavante da história do Internacional começou a me revelar o sonho que tivera na noite anterior. “Mergulhado em meus devaneios esta noite, sonhei que o Internacional alcançava glórias jamais imaginadas por seus torcedores. Estava em terras distantes, e enfrentava um time de poderio gigantesco, espanhol se não me engano. O colorado venceu por 1 a 0 em uma tabela de dois “estrangeiros”, como eu e Bodinho, um era cearense e outro alagoano. O Inter era campeão do mundo”, revelou o centroavante, triste. Surpreso, perguntei o porquê da apatia, se o sonho havia sido maravilhoso! Larry então completou:

- Estou triste porque, no mesmo sonho, vi que aqueles dois que planejaram toda jogada que resultou no gol do título, foram depois destratados pelo clube e dispensados como dois desconhecidos.

Foi então que entendi o sofrimento do homem que recém havia deixado nas redes do estádio Olímpico sua marca. Larry havia previsto o futuro. Havia percebido que mesmo anos luz a sua frente, o Internacional ainda não teria aprendido a valorizar seus ídolos. Iarley e Adriano Gabiru, heróis no Japão, são a prova viva disso. Era por isso que o centroavante pesava seu queixo entre as palmas das duas mãos, num muxoxo. Jamais imaginaria que o veria daquele jeito. Um Larry triste.

Tragicrônica em 3 atos

Por Mauren Veras

1º ato – Quarta-feira, 11 de junho. Em função de trabalho eu tive que ir ao centro de Porto Alegre fazer uma “ação” que tinha a intenção de viralizar na Internet. A idéia era “disponibilizar” uma moça bonita para dançar coladinho com quem quer que passasse pelo centro e estivesse disponível para tal. Montamos um pequeno circo: um cartaz dizia “Especial Dia dos Namors (assim bem portoalegrês) – Dance coladinho e não fique sozinho”. Colocamos um aparelho com CD-Player tocando músicas românticas de Fábio Júnior a Fagner e a moça bonita de saia curta sentada numa cadeira de palha esperando os “cavalheiros”. Muitos curiosos perguntavam o que era tudo aquilo. Justificávamos que era uma ação para “proporcionar mais carinho e conforto aos solitários neste vindouro dia dos namorados”. Tanto solteiros quanto casados toparam a empreitada e tudo foi registrado em câmera mini-dv. Passei a tarde muito engajada naquilo para que de fato desse certo, tívessemos muitos acessos e o devido reconhecimento de que fizemos um ótimo trabalho. O resultado ficou excelente eu realmente acredito que até fizemos algumas pessoas felizes. Fui embora exausta, mas bem satisfeita.

2º ato – Quinta-feira, 12 de junho. O Dia dos Namorados. Na verdade eu sou casada. Digo, amaziada, juntada, vivendo em pecado, diriam os católicos mais ferrenhos. Mas é nosso segundo Dia dos Namorados juntos e iríamos celebrar como de praxe. Só uma pergunta: por que diabos Dia dos Namorados tem que ter letra maiúscula? Enfim, resolvemos ir a um lugarzinho aconchegante cuja temática é toda de Histórias em Quadrinhos, tema que faz parte das cinco coisas mais importantes da minha vida. Antes de chegar ao lugarzinho aconchegante, trocamos presentes no carro. Eu havia comprado pra ele um blusão vermelho, pois ele é colorado. Um blusão bem bonito até. Foi um achado. Comprei nas remarcações da Renner e nem comecei a pagar ainda. Um achado. Ele adorou. Gostou muito mesmo. Um achado. Ele me deu um casaco horrível. Ficou grande, me fez parecer um esquimó. “Adorei, amor”. “Tu pode trocar se quiser, Mau”. “É, ficou um pouco grande, acho que vou trocar sim”. “Tudo bem”. E entramos no lugarzinho aconchegante. Sentamos numa mesa. Não havia muito assunto. Pedimos bruschettas. Muito boas as bruschettas, chegaram bem quentinhas. E o assunto bem morno. Tadinho dele. Ele queria tanto ter dado o presente certo, aquele que eu não ia precisar trocar, que ia usar sempre. Eu tinha certeza que era isso que ele pensava. Daí quis fazer uma pergunta boba, pra descontrair, e larguei essa: “Se tu tivesse dinheiro pra me dar qualquer coisa que tu quisesse, o que tu me daria?” Assim, bem faceirinha. Ele dissertou sobre como é difícil pra ele dar presente pros outros, que dar presentes é muito relativo que blablabla, e fez da resposta uma tempestade. Eu chorei e pedi pra irmos embora. Mas chorei de cantinho que era pra ele não ver. Fomos pra casa. Entramos debaixo das cobertas, ligamos nossos despertadores. Nem um arretinho. O Dia dos Namorados, assim, com letra maiúscula é mesmo super-estimado.

3º ato – Sexta-feira, 13 de junho. O dia passou assim... um cocô. Porque afinal de contas as pessoas super-estimam o Dia dos Namorados com letra maiúscula e eu devia estar toda toda com a pele bem fresca porque certamente tinha rolado um sexo bem gostoso na noite anterior. Nada. À noite, não conversei muito com o marido. Mas vi que ele havia comprado vinho. Óóóó... Eu não ando bebendo por motivos de saúde, mas em virtude das supostas intenções me permiti um cálice. A sexta-feira foi mais carinhosa. A sexta-feira era 13 mas também era dia de Santo Antônio, o casamenteiro. E, ora bolas, eu não tenho namorado. Eu tenho Marido. Dá licença que meu Marido tem letra maiúscula. E afinal de contas, relacionamentos não são como nas novelas nem como nos comerciais de dia dos namorados. E o DR (também conhecido como discutir a relação) foi suave e embebido em vinho suficiente para terminar como devia: tão quente quanto as bruschettas.


O frio de viver

Por Gabriela Haas

Três dias atrás a tão anunciada massa de ar polar enfim decidiu dar as caras no estado. As pessoas vigiavam o céu com a certeza de que algo, grande, provavelmente, estava por vir. Eis que, depois intermináveis dias chuvosos, o frio chega mascarado em uma linda manhã, ensolarada e gelada. Na rua, casacos de todas as cores, mas ainda assim com a prevalência dos tons terra e preto. Por que no frio, as pessoas sempre parecem tão iguais? Talvez pela falta de pele à mostra, apenas o rosto e olhe lá.

O frio assusta, muito mais que o calor. Discordo, completamente. E nem me venha com o argumento de que as pessoas morrem de frio porque elas, igualmente, morrem de calor. O frio traz uma alegria tão sutil que nenhum verão conseguirá um dia oferecer. O sol, muito mais brilhante, aquece e dá o contraponto necessário para o vento.

Pela manhã, os rostos rosados estampam olhos arregalados, de frio, de susto, de ansiedade por chegar logo ao seu destino – e que esteja quente! A fumaça saindo da boca diverte as crianças que imitam os maus hábitos de seus adultos inspirando com dois dedos junto à boca e expirando o ar aquecido pelos pulmões (o Ministério da Saúde adverte: crianças começam a fumar vendo os adultos fumando).

Nada, mas nada como, depois de um dia inteiro convivendo com o vento gelado que teima em ultrapassar todas aquelas cinco camadas de roupa e encontrar uma brecha para nos atingir, tomar um banho e sentir cada centímetro do corpo descongelar com a água mais quente que o chuveiro pode oferecer. Vestir a roupa naquela atmosfera de sonho provocada pela abundância de vapor que vai grudando em toda a superfície do banheiro e que leva horas para secar. Praticamente se esconder naquele casacão de lã, puxar uma coberta e ficar assistindo um filme na tevê com alguém que aqueça, além do corpo, o coração.

Ah, não reclamem do frio. Ele pode fazer muito mais por você e nos deixa muito mais cedo do que deveria.

Quem de tudo um pouco sabe, de nada sabe muito

Por Jacqueline Pasini

Salas de aula de colégio são sempre parecidas. As figuras se repetem. Vai dizer?! Durante todos meus anos de escola os colegas mudaram. Não foram sempre os mesmos, mas os tipos se repetiam. E imagino que deva ter sido assim com todo o mundo. Naquelas conversas nostálgicas, entre amigos, a gente sempre acaba relembrando e contando causos de infância que aconteceram, memorando as nossas peripécias e as dos coleguinhas.

Quem nunca teve aquele colega inconveniente, dedo-duro, puxa-saco, pra não dizer outra coisa, que no dia de prova decisiva, aquela que tu precisa tirar uma nota alta pra não repetir o ano (e não levar uma surra quando chegar em casa), te delatou pra professora, dizendo: "Sôra, o fulaninho tá colaaaando!". Se não aconteceu contigo, outro deve ter sofrido essa ou alguma parecida. Ou então aqueles que eram verdadeiros pentelhos, bagunceiros, infernais. O tipo que todo professor reza para não existir. Fazem piadinhas com o mestre, atiram bolinhas de papel nas meninas mimadinhas. Levantam da cadeira para ir trovar com o cara que está no outro canto da sala. Quando não começam a brigar, de se agarrar no couro com outro colega. Esses sempre existem, não é? E têm os trovadores, que passam a aula inteira comentando uma coisa com um ou outro, os tímidos, os envergonhados... Mas os mais queridos pelos profes são os CDFs. Acho que não preciso explicar o significado da sigla, todo mundo entende o que quero dizer.

Eu era um tipo CDF alternativo. Pode isso, acho eu. É que eu não era da tribo dos que se exclui e fica isolado dos outros, reunido apenas com os semelhantes. Eu era enturmada. A reclamação que meus pais ouviam, no fim de cada bimestre, era de que eu conversava demais em aula. "Tua filha é ótima aluna! É só ler o boletim dela! Notas altíssimas, mas ela atrapalha os coleguinhas, desconcentra eles". Eu era uma falsa nerd. A solução encontrada pelos coordenadores era me fazer ajudar os colegas nas suas dificuldades. Hoje tu ajuda o fulaninho no tema de física, amanhã ajuda a ciclana pra prova de português, e se tu quiseres, também tem o beltrano que tá quase rodado em biologia. E eu não me importava de ajudar, simplesmente porque gostava de estudar.

O problema veio depois. Depois que terminei o colégio. Agora segue meu desabafo. As pessoas costumam ter aptidões para determinadas áreas do conhecimento, e isso eu percebia no colégio. Eu como sempre, me dava bem em todas, não me destacava em nada específicamente. Aí chega o momento de tu crescer, virar adulto, arrumar alguma coisa para fazer pro resto da tua vida. Algo que tu goste e saiba fazer. Eu gostava de estudar, de ter conhecimento, de enfiar a cara nos livros, só que não tinha nenhum gosto em especial. Decidi que queria ser jornalista. Talvez por ser comunicativa desde criança, talvez por ter um dia acreditado que fazer jornalismo é ter muito conhecimento. E na verdade é, deveria ser.

Mas a minha saciedade pelo estudo não se satisfez. Para ser boa na minha profissão tenho de saber um pouco de tudo. Afinal, o jornalista na essência do iluminismo sob o qual surgiu a profissão, deve ser um intelectual. Mas qual o mérito de ser um? Pergunte qualquer coisa a algum e ele te fará um grande discurso, com palavras difíceis, cheio de opiniões. Tu fica admirado pela amplitude na abordagem de assuntos, e tu pode conversar qualquer coisa com essa pessoa. Mas resolve perguntar algo específico. Algo a fundo sobre anatomia. Provavelmente a conversa fique rasa.

E é assim que me sinto. Sedenta. Sabendo de tudo um pouco, mas nada de alguma coisa. Eu me tinha por satisfeita por conseguir dominar vários assuntos. Naquele contexto, até que era positivo. Eu era uma aluna completa. Mas hoje vejo que teria sido bom se tivesse mostrado aptidão por algo. Me sinto às vezes sem talento e uma falsa intelectual. O dia que eu tiver um filho e ele estiver no colégio não vou me preocupar se ele é ruim em alguma coisa e bom em outras.

Bicho autista

Por Camila Muccini

Todos os dias passo em frente ao mercadinho da rua Laurindo para ir para minha casa. Às vezes, até compro alguma coisa. O mercadinho é bom, limpinho, o dono é cuidadoso e tem uma certa variedade de produtos. Contudo, o que mais me intriga nesse estabelecimento é o cachorro do dono. Sim, aquele bicho preto, peludo com o rabo enorme e cara de morcego.

Todos os dias vejo aquele cão com aquela mesma cara, altivo, como se o resto do mundo nem existisse. Assobio, chamo, faço barulho com as mãos e nada. De vez em quando passo bem ao lado dele e tento puxar algum assunto, mas ele sequer move o pescoço, muito menos os olhos. Eu não existo para ele. "Cachorro autista"– fico praguejando mentalmente. Ai que raiva que me dá... Ultimamente decidi usar outra tática para que o bichano note a minha presença. Faço questão de passar por ele e cutucá-lo, mexer com ele até que ele se de por conta que sou da vizinhança e que existo. Na última vez que fiz isso, ele não gostou muito. Ficou rosnando para mim...mas continua a me ignorar. Talvez ele só admita o mundo animal. Mas não! Ele responde ao dono... Então ele pode ser um cão fiel... ou possessivo. Ah, não! Cachorro é cachorro. E cachorro esperto tem que se ligar nos barulhos que estão a sua volta. Aliás, ele tem estar antenado aos meus barulhos! Como pode um cão ser tão indiferente a minha – repito, A MINHA – presença? Indiferença gera raiva... "Ah bicho danado!"

Todos os dias andando pelas ruas da cidade, não dificilmente, deparo-me com moradores de rua. Pessoas que estão jogadas no chão, andando sem rumo, pedindo um trocado, passando frio nesse inverno de rachar... Muitas vezes, por medo de ser abordada, finjo que não os vejo, tento passar sem desviar minha atenção para ver o que a miserabilidade humana é capaz de produzir no mundo – a desigualdade.

Todos os dias essas 'pessoas' estão sendo ignoradas. Isto porque, atualmente, o caráter de cidadão varia com a quantidade de bens que se pode consumir. Quanto mais se compra, mais se é cidadão e mais se têm direitos – esse é o brilhante modo de viver que estamos reproduzindo cegamente... Inúmeras vezes nos defrontamos com esses "zés ninguéns" e, muitas vezes, o que fazemos? Ignoramos. Talvez seja por isso que alguns deles – como eu fiz com o cão – tentem nos chocar, nos tocar, chamar nossa atenção, para notarmos que, de fato, eles existem e são uma pessoa, e não um ser anônimo. Ah! (um estalo ocorre em minhas conexões sinápticas) Ignorei certos mendigos da mesma forma como o bendito cão continua a me ignorar... Seres humanos e sua eterna contradição...
Pela primeira vez, acho que pude ter alguma noção do que é ser invisível.
Imaginem, então, comigo: se a indiferença de uma mero cão me causa tanta raiva, qual será o efeito em um ser humano que, cotidianamente, não existe?


É realmente chato ser gaúcho!

Por Lucas Rizzatti

Ontem, Grêmio e Inter jogaram no Beira-Rio, no tradicional clássico Gre-Nal. Jogo muito fraco e um previsível 0 a 0. Jogo bom para uma coisa: ver como o gaúcho é um chato de galocha. Um verdadeiro saco.

Desde sempre, o gaúcho se vangloria por coisas que ninguém se vangloriaria. E por dois motivos: por serem fatos pouco meritosos e por serem enganosos. Isso desde a tal Guerra dos Farrapos. Tem até feriado para isso por aqui, no Estado. O povo gaúcho comemora uma guerra, em que perdeu feio para o Império e ainda teve que sair com o rabo entre as pernas, assinando um acordo de paz à revelia da vontade do povo.

E, quando se vai ao estádio de futebol, mais de cem anos depois da Revolução Farroupilha, o que se vê? O mesmo orgulho tolo.

Orgulho de quê, oras? O Inter se gaba por ser o clube do povo, com slogan na fachada do estádio e tudo. Mas sua direção limou o setor popular e planeja colocar cadeiras nos espaços onde hoje é a arquibancada, o que automaticamente encarece o preço do ingresso. Medidas muito populares...

O outro clube, o Grêmio, consegue ser pior. Porque o Inter, um dia, vá lá, já foi realmente um clube de mais apelo popular, mesmo que fundado por jovens paulistas endinheirados, lá em 1909. Já o Grêmio, nunca foi argentino. Jamais. Mas sua torcida imita descaradamente as músicas das hinchas platinas. Alguns cantam em castelhano! E se acham o máximo por isso.

Os dois rivais conseguem até se unir quando o assunto é imitação: para expressar seu orgulho às tradições, entoam “ah, eu sou gaúcho”. O original é “ah, eu tô maluco”. Só sendo louco mesmo.

Por que não se vangloriar mais dos títulos, das conquistas destes clubes? Elas existem aos montes! Mas não. Gaúcho gosta mesmo é de se achar pelo que não tem. Ou melhor, pelo o que ele acha que tem, que é.

E vai ser assim para sempre. Certo e tácito como o feriado farroupilha de 20 de setembro. O gaúcho vai ser para sempre um chato de galocha, um povo sacal e continuar achando que aqui é a Europa do Brasil e que o Laçador, que deve ter um metro e meio de altura, é a “nossa” estátua da Liberdade.

Promessa é dívida

A seguir, as crônicas dos alunos da turma de redação jornalística 3 - 2008/1. Não estão incluídos os trabalhos que me foram entregues IMPRESSOS (todos já foram devolvidos aos seus respectivos autores). Se quiserem que saia no blog, mandem de novo. Lá vai.