domingo, 24 de agosto de 2008

Promessa é dívida 2

Abaixo, como havia prometido, as crônicas dos alunos da turma de redação jornalística 3 - 2008/1. São as crônicas a mim enviadas por MAIL. Não estão incluídos os trabalhos que me foram entregues IMPRESSOS (todos já foram devolvidos aos seus respectivos autores).

Grande prazer dar aula a vocês. Vou deixar o blog no ar como DOCUMENTO da nossa experiência e do nosso aprendizado conjunto (isto inclui o pessoal do semestre anterior). Bjs.

Testemunha principal

Por Gilmar Splitt

Aprovaram o fim das carroças em Porto Alegre. A Câmara de Vereadores fez sua escolha democrática – afinal, dizem que o Legislativo representa todas as camadas da sociedade – e mandou a bomba para a sanção do Prefeito José Fogaça. O Prefeito deve transformar o projeto em lei nos próximos dias e – shazam! – as ruas da cidade serão somente dos carros, motos e tudo mais que tenha o corpo de lata, patas de borracha e se alimente de combustível flex power.

O argumento principal da proposta é que os carroceiros atrapalham o trânsito e, portanto, devem ficar em galpões reciclando lixo, e não dirigindo veículos de tração animal por aí impunemente. Os cavalos, segundo alguns defensores da modernidade, não foram feitos para passear pelas ruas puxando uma caixa de madeira entupida de sacos de lixo e fazendo cocô no asfalto. Lugar de cavalo, como se sabe, é dentro da televisão, pastando em paisagens bucólicas ou sendo guiados por mocinhos atrás de bandidos.

A pergunta é: o que fazer com os quatro mil pilotos das carroças que circulam pela cidade? São quatro mil famílias que transformam em alguns trocados o lixo que a população despeja na frente de suas casas. A Prefeitura, de sua parte, confessa não ter estrutura para recolher todo esse entulho.

Mesmo que o projeto preveja programas sociais para beneficiar essas pessoas ao longo de oito anos – prazo final para os carroceiros aposentarem seus cavalos –, ainda assim, há desconfiança de que nada seja feito na prática para torná-las menos marginalizadas do que já são. Quem nunca desconfiou dos políticos e suas boas intenções que atire a primeira espiga de milho.

Também não estou aqui para defender intransigentemente um lado ou outro. Uns dizem que os cavalos sofrem maus tratos; outros, que eles são o ganha-pão de gente que não teria outra fonte de renda. Argumentos fortes de lá e de cá. O grande xis da questão é justamente esse: como descobrir uma solução que contemple todos os lados: carroceiros, motoristas, população e cavalos.

O Plenário da Câmara estava lotado na última segunda-feira. Havia, numa ala, representantes das entidades de proteção aos animais; na outra, os carroceiros, e no meio, a guarda municipal para apaziguar os ânimos. Bastante acirrados, diga-se de passagem.

Na minha opinião, vendo a questão de fora, esqueceram de perguntar a opinião da testemunha principal, o personagem que, no fundo, será o grande penalizado por qualquer decisão que se tome: sua excelência, o cavalo.

Taí o ponto: faltou mobilização da classe eqüina. Não é pouca coisa o poder de fogo de quatro mil cavalos prestes a virarem lingüiça por um canetaço do senhor Prefeito.

Imaginem os cavalos subindo a rampa da Câmara, relinchando palavras de ordem: cavalo unido jamais será vencido! É bem possível que muitos outros cavalos de duas patas entendessem perfeitamente a mensagem.

A Fuga das Sardinhas

Por Tassia Kastner e Maria Lina Colnaghi

Sardinha é uma fonte de ômega 3, 6. Dizem que faz bem a saúde. Cada vez que lembro disso no mercado, tasco duas no carrinho. Não que seja meu prato preferido. É apenas prático. Ontem fiz uma salada de rúcula com noz pecã e... sardinha. Mas confesso que quase perdi o apetite. Lavei a rúcula com muita atenção, separei em um prato. Peguei meu quebra-nozes e separei as melhores sementes das frutas que tinha. Hora de adicionar a sardinha: lavei a lata com bastante detergente, peguei uma faca para abrir a lata, mesmo sob o olhar nervoso de meu irmão, e logo tinha ao meu alcance dois lindos peixinhos.

Quando vi aqueles animaizinhos tão apertados dentro daquela minúscula lata, lembrei que eu tinha acabado de chegar em casa depois de um longo dia de trabalho. Não percorro longas distâncias com o transporte coletivo, é verdade. O que geralmente me traz grandes problemas e um pouco de tumulto. Todas as linhas que utilizo têm o problema da lotação. E aí, embarco, mal consigo passar pela roleta, e já preciso descer. Mas, quem disse que consigo chegar à porta?

O problema começa no embarque. Geralmente ouço o cobrador gritar: – Um passinho atrás faz favor, ainda têm espaço no fundo. Nunca têm. Mas mesmo assim as sardinhas, digo, os passageiros obedecem, muito contra a vontade e com murmúrios do tipo “que absurdo” ou “acabou o fundo”, à ordem do recolhedor de fichinhas. E assim, a cada parada, a cada barulho de descarga, de pastilhas de freio gastas o pânico toma conta de mim: – Preciso descer! Preciso descer!. E o pior é que não tem pra onde fugir.

Quando embarco no D43 lotado penso: – Bah! Por que não peguei o Campus/Ipiranga? Por quê? Porque a situação é tão desesperadora quanto. Tudo bem, podia pegar o T8! Nãããão, T8 não! Afinal eu não quero chegar no Campus do Vale como um patê. Ninguém gosta de sardinha esmagada! Ipiranga/PUC, T1, T4, T5, T6, T7, T9? Tudo igual.

Pensando bem, não preciso de ômega 3, nem 6. Estudante/trabalhador tem saúde de ferro. De vez em quando até espirra, tosse, mas compartilhar vírus cria anticorpos. Aumenta a imunidade. É, isso faz bem. Tá, vou deixar para pensar nas sardinhas quando não precisar mais da Carris nem obedecer os gritos do recolhedor de fichinhas. Bem, vou dar de comer ao meu gato e, depois, comer minha salada.

Vermelho no branco

Por Emanuela Pegoraro

O que eu faço para abortar? Digita a vergonhosa pergunta na Internet e verás a quantidade de moças impuras querendo saber a resposta. As infantes pedem desesparadamente, com u jeitu lindu di adolexenti iscreve, por chás milagrosos, número correto de pílulas anticoncepcionas que devem tomar para abortar (trex ou quatru?), ou a técnica da bucha secreta dos confins da Amazônia.

O que é mais vergonhoso? Engravidar numa época em que as diversas técnicas anticoncepcionais desfilam pelas bocas de nossos médicos, mães e apresentadores de TV? Ou varar semanas em claro, em busca de um método primitivo, baseado na foice e enxada, que conta também com cordas, animais peçonhentos e outras ofenças atrozes ao nome da técnica e da ciência, simplesmente porque no Brasil o aborto limpo, seguro e simples não é permitido?

Na opinião de Sara , ambos os casos são vergonhosos. Tanto que a garota tomou pílula à espera da visita do namorado. Ela não seria burra de dar tanta chance ao azar, dar para o namorado sem contar com nenhum método anticoncepcional. Mas garotas são garotas e, mesmo na flor de seus 23 anos de experiência, o maravilhoso sexo sem camisinha por semanas a fio deixa sempre a tão conhecida pulguinha atrás na orelha. É culpa da mãe, que lhe ensinuou ao longo da infância que sexo é feio e pecado. "Eu transei demais, demais, eu mereço estar grávida", pensava a pobre Sara.

E como adolescente de internet, Sara passou dias planejando uma viagem à Suíça, ou à Conchinchina, onde pudesse tomar um comprimidinho corriqueiro e sossegado, e acabar com a criatura, se ela deveras fosse. Até que Sara acordou numa bela manhã de sol, e lá estava, tudo resolvido, vermelho no branco. Confie na pílula, querida Sara.

Naquela manhã rubra e alegre, Sara caminhou radiante ao trabalho. A primeira tarefa foi a mensagem, que enviou para o outro lado do continente: "Você não vai ser papai tão cedo". Duas horas depois, a resposta na caixa de entrada: "Eu te amo. E sua menstruação também."

Dia dos casais chatos

Por Juliana Wecki

Semana passada foi o dia dos namorados. O que mais se via na rua eram casaizinhos apaixonados caminhando de mãos dadas, e meninas levando seus recém recebidos buquês de flores. Parece que as pessoas tomam banho de mel no dia 12 de junho e vão ver seus amados. “Nhonhozinho” para cá, “donzdonzinho” para lá... É uma melação!

Agora, sejamos sinceros, alguém aguenta isso? Me chamem de coração gelado, ou qualquer coisa parecida, mas não consigo gostar de ver demonstrações de carinho por aí. Quer ficar abraçado na namorada, eu respeito. Mas poupe meus ouvidos de ouvir apelidos mela-cueca, ou meus olhos de ficar assistindo a “beijos-desentupidor”.

Será que é tão difícil de perceber que isso é muito chato? Quem nunca passou pela situação de estar na fila do cinema e ter dois pombinhos por perto, se chamando por apelidinhos e sem conseguir se desgrudar. Ou então, estar entre um grupo de amigos e ter aquele casal que parece estar em um universo paralelo: ela olha para ele, ele não tira os olhos dela e eles ficam assim, em estado de contemplação. Ora se beijam, estão sempre grudados, e o principal: não compartilham da conversa do grupo.

Há um tempo atrás, li um texto em que a autora pedia que adultos também dessem beijos apaixonados na rua, prática tão comum entre adolescentes. Meu apelo é exatamente o contrário: deixem a intimidade para a intimidade.Ninguém precisa saber da vida amorosa de ninguém. Ninguém precisa ver a intimidade de ninguém.

Isso não não é um apelo para que os casais de namorados passem a ser frios um com o outro. Demonstrem o carinho com palavras, com gentileza. Amem seus namorados. Tratem da melhor maneira possível. Mas respeitem os outros. Ninguém precisa ficar provando seu amor para toda a torcida do Flamengo. Deixem as “atitudes práticas” para as quatro paredes.

Quem tem medo de escuro?

Por Paulo Azevedo Jr.

Bicho-papão, lobisomem, altura e granada. Fuzil, avião, escuro e seqüestro. As coisas como eram, e as coisas como são. Os velhos, os jovens e as crianças. Não leitor, não enlouqueci. Espero que em breve tudo isso faça sentido.

Estava almoçando em uma lanchonete na zona sul do Rio, quando comecei a ouvir a conversa de uma turma de senhores que estava na mesa ao lado. Com aquele típico sotaque carioca, cheio de "esses" que parecem xis, e "erres" carregados, eles falavam sobre os medos de antigamente e os de agora.

Aos poucos aquele papo despretensioso começou a chamar minha atenção e quando vi já estava quase me metendo na conversa deles. Meus amigos falavam sobre alguma coisa que tinha ocorrido na noite anterior, mas no momento o que me interessava era a conversa dos velhos. Medo era o assunto deles.

  • Quando eu era criança, a gente tinha medo de altura, de escuro, de bicho-papão. Hoje em dia, a meninada tem medo de granada, de fuzil, de metralhadora. Nesses quarenta anos a vida mudou muito, e pra pior, eu acho.

  • É verdade, outro dia meu netinho contou que o colega dele não queria ir para a aula porque o primo tinha sido seqüestrado e ele estava com medo de também ser.

Fiquei pensando sobre aquilo. Não que eu seja uma pessoa medrosa, mas também estou longe de ser um valentão. Claro que na infância eu tinha meus medos, alguns frutos da minha imaginação, outros da realidade que me cercava. Em algumas peças da casa, eu simplesmente não ia durante a noite. O motivo não sei, mas só Deus sabe o quanto a despensa e a lavanderia, que ficavam tão longe do meu quarto, me assustavam. Era como se fosse um universo paralelo, um mundo de trevas e perigos iminentes. Estrada também era uma coisa que me deixava tenso, mas isso tinha lá seus motivos. Em outra crônica explico isso melhor.

Hoje em dia essas fobias passaram. No lugar delas vieram outras, mas com as quais eu tenho de lidar, pois, de outro modo, não sairia mais de casa. Aos poucos, coisas como assaltos, atropelamentos e seqüestros passam a ser tão rotineiras que deixam de nos chocar. Não que isso seja bom, mas é a realidade, e como meu espírito não é panfletário, e nem tampouco revolucionário, acabo me conformando com o mundo que me cerca.

Mas voltando ao papo dos velhos, achei o ponto deles interessante. Antigamente, os medos dos pequenos e dos adultos eram diferentes. Enquanto os primeiros eram fruto da imaginação infantil e do folclore popular, os segundos vinham da vida cotidiana. Atualmente, os temores não têm mais idade. Parece que no mundo moderno criança e adulto estão à mercê dos mesmos medos. Daqui a pouco, o pai vai pedir para dormir com o filho à noite.

Sobre o inverno

Por Caroline Borges


Eu já cansei de reclamar do inverno. Não adianta, ele não muda. Todo ano vem para deixar a minha vida mais difícil e, ultimamente, tem vindo com mais força. De uns tempos pra cá, chega a invadir a primavera permanecendo até o setembro. Eu não gosto de frio e sofro muito durante o inverno. Levantar da cama vira uma batalha das mais complicadas e, normalmente, a cama vence. Até o banho que é uma atividade prazerosa, nessa estação se transforma em uma tarefa que exige força e coragem. As plantas sofrem, os animais sofrem, as crianças sofrem, os idosos sofrem, definitivamente a vida é mais feliz no verão. Vocês já se deram conta do sacrifício que é andar pelas ruas da cidade nas manhãs de frio com aquele vento que parece cortar a espinha? Nossa, poucas coisas são piores.

Eu até admito que algumas coisas ficam mais atraentes durante o inverno. Passar o fim de semana inteiro embaixo do edredom, vendo televisão, com uma panela de negrinho, por exemplo. Fazer um passeio até a Serra Gaúcha e sonhar que está na Europa também. Ler numa noite chuvosa ou ainda dormir a tarde inteira de domingo perto da lareira. E as coisas param por aí. Muito pouco comparado aos passeios, à piscina, ao bronzeado, às festas, à alegria, à beleza das paisagens, típica do verão.